sábado, 30 de maio de 2009

Amargamente

Ga era descrente, sorria sem vontade. Vivia com tudo, por nada.
Andava não, rebolava. Atraía os olhos de quem passava. Dançava.

Batom na boca, batom que marcava a muitos, mas que saía na primeira lavada.
Continuava a sorrir.

Quantas juras de amor não ouvía?
-amar, Ga.
-amar - Ga mente.

Era toda rebuliços, saía, comprava, descomprava.
Um belo par de sapatos para o verão, para o sambão, aí sim sua crença!
Um para cada estação, para toda a atenção, e dançava.
Era preocupada de nada.

Não queria filhos, não queria casa. Vivia dos outros, e quantos outros viviam por ela!
Amava café, café amargo. Prazer pra pouca gente.
Não a faltava nada.
E os outros respondiam:
-amar, Ga.
-amar - Ga mente.

Infeliz e não sabia, cheia de nada, vazia de tudo.
Íam e vinham muitos, ela sempre ficava.
Pra ficar perto de todos, dançava.
E a música tocava lentamente:
-amar, Ga.
-amar- Ga mente.

domingo, 24 de maio de 2009

EU ETIQUETA

"Em minha calça está grudado um nome
Que não é meu de batismo ou de cartório
Um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
Que jamais pus na boca, nessa vida,
Em minha camiseta, a marca de cigarro
Que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produtos
Que nunca experimentei
Mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
De alguma coisa não provada
Por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
Minha gravata e cinto e escova e pente,
Meu copo, minha xícara,
Minha toalha de banho e sabonete,
Meu isso, meu aquilo.
Desde a cabeça ao bico dos sapatos,
São mensagens,
Letras falantes,
Gritos visuais,
Ordens de uso, abuso, reincidências.
Costume, hábito, permência,
Indispensabilidade,
E fazem de mim homem-anúncio itinerante,
Escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
Seja negar minha identidade,
Trocá-la por mil, açambarcando
Todas as marcas registradas,
Todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
Eu que antes era e me sabia
Tão diverso de outros, tão mim mesmo,
Ser pensante sentinte e solitário
Com outros seres diversos e conscientes
De sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio
Ora vulgar ora bizarro.
Em língua nacional ou em qualquer língua
(Qualquer principalmente.)
E nisto me comparo, tiro glória
De minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
Para anunciar, para vender
Em bares festas praias pérgulas piscinas,
E bem à vista exibo esta etiqueta
Global no corpo que desiste
De ser veste e sandália de uma essência
Tão viva, independente,
Que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
Meu gosto e capacidade de escolher,
Minhas idiossincrasias tão pessoais,
Tão minhas que no rosto se espelhavam
E cada gesto, cada olhar
Cada vinco da roupa
Sou gravado de forma universal,
Saio da estamparia, não de casa,
Da vitrine me tiram, recolocam,
Objeto pulsante mas objeto
Que se oferece como signo dos outros
Objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
De ser não eu, mas artigo industrial,
Peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é Coisa.
Eu sou a Coisa, coisamente."

Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, 1 de maio de 2009

À minha loucura

Hoje abri meus olhos.
Forçei as pálpebras, ergui as sombrancelhas,enxerguei.
Vi o que os olhos forçavam-se a embaçar: o futuro.
Vi um alguém andando em curvas. Tropeça, cai, e ergue-se cada vez mais forte.
Andando sobre um pé só, mas todo seu equilíbrio, sua força, se encontrava ali, naquele pé. Se todas as outras partes de seu corpo andavam bambas, tortas, seu pé, a cada passo, tornava-se mais firme.
Cabelos soltos, poucas roupas, descalça. Sorria.

Vi meu eu.
Enxerguei o afora, palavra tão evitada, que agora insiste em sair da minha boca. Inevitavelmente.
As inúmeras possibilidades, os caminhos.
Engraçado, todos levam ao mesmo eu.
Um eu liberto, indeciso, excêntrico.
Um eu longe do comodismo, das palavras de bom gosto, da rotina. Brindando à loucura.
Que se manifesta a cada passo. Está cada vez mais visível, mais concreto.

O real, outra palavra que estremece meus ossos só de ouví-la.
Estou a sentindo cada vez mais próxima. Engraçado, sua presença já não me assusta mais.
Me ensinam cada dia a conviver com o sim, com o não..
Estou perdendo a fluência no talvez.

E sou grata, a quem me fez assim.
Quem me transformou hoje no que sou, no que estou me tornando.
Cada gesto, cada palavra, cada olhar, vem de alguém.
Não são meus, são uma cópia dos que gosto, uma lembrança de quem passou por mim e não o fez despercebido.
Sou um conjunto de amores, amigos e inimigos.

Estou me completando, pouco a pouco.
Hoje, mais que ontem, e menos que amanhã.
Um passo de cada vez.




HOJE É ANIVERSÁRIO DE UM DESSES ALGUÉNS.
ELE ME COMPLETA. AGORA ENTENDO O VAZIO QUE ESTOU SENTINDO ESSES DIAS.
parabéns.
MINHA VÓ, A YIAYIÁ, TÁ MUUITO MAL, PROVAVELMENTE VOU PRA GRÉCIA MÊS QUE VEM, LARGAR TUDO POR UM MÊS.
dos piores momentos surgem as melhores oportunidades!
BOM FERIADO PRA TODOS,
que os meus estão cada vez melhorees!
;*